sexta-feira, 11 de agosto de 2017

O menino e o mundo - Geografia - Educação - Artigo



 UFV - UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA
  JOÃO BATISTA DE PAULA
OS CAMINHOS E OLHARES NO E DO FILME
“O MENINO E O MUNDO”
VIÇOSA / MG
2016
Graduado em história, com pós-graduação em história do Brasil, professor há mais de 25 anos, lecionando no ensino fundamental, médio, superior, conteúdos da área de Ciências Humanas. 


RESUMO
O filme “O Menino e o Mundo” é desses que nos provoca inquietude, muitas análises, olhares diferentes, percepções diversas, uma viagem do rural ao urbano, uma viagem (do espectador) dentro de outra viagem (a personagem). É um filme de animação, obra de arte do desenho simples, mas impactante no mostrar a mercantilização da vida, da alma, da técnica, do tempo. Uma viagem às angustias, desilusões, arregimentações da modernidade. Talvez um ponto de vista diferente veja como uma poesia para a musa esperança. Por isso, uma viagem imperdível.

Palavras-chave: Menino. Mundo. Família. Rural. Urbano. Capitalismo. Paisagem. Esperança.

Capa do filme: "O Menino e o Mundo".
Introdução:

O filme “O Menino e o mundo” A é uma obra de arte a serviço das condições humanas, a linguagem das imagens, os sons, as figuras, desenhos, colagens, o material utilizado, os planos, são tão perfeitos e nada parece estar fora do lugar. Tem-se a impressão, ao ver o filme, que vemos a nós mesmos, com as angústias, os medos, o assombro, as ilusões, desejos, comuns aos humanos.
 O que não acontece são sentimentos de passividade no desenvolvimento do filme, ele é elegante, sensível, tem força política, conteúdo, sabedoria e convida às múltiplas reflexões. Tem roteiro e direção de Alê Abreu, classificado no gênero aventura, categoria animação, classificação etária livre, lançado no Canadá em 2013, no Brasil seu lançamento foi no começo 2014. Candidato ao Oscar 2016 na categoria animação. Venceu nos Estados Unidos o “Annie” na categoria melhor longa de animação, independente. Ganhou também prêmio do júri e público, do Annecy (Festival de animação - França). Recebeu mais de trinta prêmios, em diversos países como França, Portugal, Cuba, México, E.U.A., Brasil, entre outros. Muito pouco visto e comentado no Brasil quando do lançamento mas, com a indicação ao Oscar o filme ganhou novo fôlego, notoriedade e voltou a ser exibido no Brasil, já com outro olhar, mais atento, por muito mais pessoas.
Na contramão das produções hollywoodianas, com seus elevados investimentos e muita tecnologia envolvida, o “Menino e o Mundo” utiliza-se de técnicas simples de desenhos com lápis, canetas, giz de cera, colagens, aquarelas, colocados a serviço da história de forma bem artesanal e impecável. Nenhum detalhe foge à equipe de criadores. No dizer do Pericás, “este é um filme de artesãos, que opera numa lógica muito distante da linha de produção computadorizada e homogeneizadora de Hollywood”. (PERICÁS, 2016)
A trilha sonora, bem como os sons, são outro fator a ser considerado. Músicas bem colocadas, fazendo sentido com a história e com os desenhos e as notas harmonizam com as cores, com os momentos do enredo. Também os sons, já que o filme não tem diálogos claros, as falas são inversas dando a ideia de uma língua diferente e desconhecida, incompreensível, mas que somados aos ruídos, sons ambientes, do filme, proporciona ao mesmo tempo beleza, candura e rupturas, impactos.  Na crítica ao filme, feita Pericás e Ribeiro, vê-se a diversidade e versatilidade dos temas abordados:
 Se depara (o menino - personagem) com a exploração dos trabalhadores no campo, dispensador por fraqueza ou enfermidades; com a falta de perspectivas; com a desigualdade social; com a pobreza; com os lares desfeitos; com a destruição da floresta; com a opressão; com o desemprego; com a automação; com as favelas; com os efeitos da migração; com a violência institucionalizada. Todos são triturados pelo cotidiano esmagador, no qual as paisagens industriais estão repletas de seres alienados por TVs gigantes e vitrines de lojas de roupas. E também por apresentadores de telejornais sempre sorrindo enquanto enganam os espectadores. (...) Os homens sempre vigiados por um Estado policial militarizado, fascista, que não hesita em enviar tanques e soldados com escudos e cassetetes para garantir o controle social sempre necessário: o pássaro negro espreita a todos... Um mundo, sem dúvida, desumanizado e selvagem, com empresários, “coronéis”, patrões, executivos... e onde até as máquinas, trens, carros blindados, navios e guindastes se parecem com animais. (PERICÁS, 2016)
...observamos a superficialidade das relações humanas, a deterioração das cidades, a poluição visual e a destruição da natureza. Assim é perceptível a mudança de um colorido bucólico, para um cinza/negro que representa as cidades e esse universo de trabalho e consumo obrigatórios. (RIBEIRO, 2016)
  A história do filme é simplória: um filho, morador da zona rural, sai em busca do pai que foi tentar melhor sorte na cidade grande. Volta ao final do filme para sua terra e traz consigo a experiência da viagem, da busca, das aventuras, das lembranças, as cicatrizes, as marcas, as experiências vividas, as angústias, as arregimentações, as uniformidades e as diferenças. Uma jornada pouco épica, já que no filme não se estabelece data, nem tempo, apenas espaços de acontecimentos sociais e técnicos.
Nessa jornada de busca, os olhares são múltiplos, tanto da personagem do filme, um menino, quanto do espectador que se vê envolvido em um emaranhado de imagens que nos remete às diversas situações urbanas. Eis aí o maior interesse que o filme pode despertar, as peculiaridades de um sistema econômico, social, técnico, urbano. Nem sempre humano, como há de se perceber no filme.

O Rural.

O filme começa com o menino (Cuca) interagindo com a natureza, galinhas, cavalos, o riacho de águas mansas e peixes, borboletas, patos deslizando na água, carreira de formigas B, as nuvens, pássaros, embalados por um som de flauta doce, em ritmo lento, onde tudo se mistura e interage. Esse ritmo do filme no início é intencional, uma forma de contrapor o ritmo da cidade que no dizer de Milton Santos, “acumula tempos desiguais” (SANTOS, 1989)
A calmaria é quebrada por uma centopeia gigante, fumando um cachimbo, (o trem) que leva o pai de Cuca para a cidade. Em busca de melhores condições de vida. Entre lembranças do pai, o menino guarda o som da flauta que o pai tocava em uma latinha e a enterra. É a necessidade humana de memórias, ainda que imateriais.
A partir daí a personagem inicia sua jornada em direção a cidade, com a intenção de encontrar o pai. Este processo migratório campo-cidade (êxodo rural) tão intenso na sociedade brasileira e no mundo. No dizer de Rykwert:
“Duas ondas de populações rurais miseráveis se abateram sucessivamente sobre as cidades do mundo, inundando e inchando o tecido urbano quase até o ponto de ruptura. Foi a primeira dessas ondas, de fins do século XVIII a início do XIX, que deu forma para o tecido urbano que conhecemos. A onda recente e muito maior que tomou impulso em meados do século XX ainda não se abateu: estamos nos debatendo nela e ainda não conseguimos distinguir suas modalidades ou avaliar seu impacto com acuidade”. (RYKWERT, 2004,p.27)
Em sua caminhada o menino se depara com a colheita do algodão, a colocação e transporte desse algodão. Uma banda de música sugerindo uma possível festa da colheita comum nas culturas locais e que fazem parte do imaginário popular, muitas vezes importado do espaço rural para o urbano. Como salienta Bresciani, quando nos abre as sete portas da cidade:
A sexta porta abre a possibilidade de estudo da cultura popular. Sobre ela pouco posso falar. Para mim, é algo que se entrevê, uma outra forma de comportamento que escapa aos moldes prevalecentes da cultura burguesa, um outro referencial de relacionamento, que cabe mal nos moldes racionalizadores do padrão “civilizado” ”. (BRESCIANI, 1991,p.12)
Seu primeiro contato com objetos relacionados a cidade se dá ainda nas plantações de algodão onde Cuca se espanta com a grandiosidade e a velocidade de caminhões e de um avião.
Logo em seguida há a escolha de trabalhadores, fortes, saudáveis, sendo excluído do processo os velhos e doentes. Vê-se as primeiras imagens da mercantilização de vida humana. Muito mais, quando, logo em seguida o menino chega a uma fábrica de tecidos e se depara com o processo produtivo e os trabalhadores em gestos uniformes, sequenciais, como uma extensão das máquinas, um apêndice delas. Em nada parece seres humanos, a não ser no biótipo. Nota-se também o número elevado de trabalhadores na tecelagem. A relação de poder dos donos da fábrica que se expões nos objetos que utilizam, na postura, na vestimenta. Pesavento comenta:
Assim, a cidade era abordada com base em sua dimensão espacial, mas vista através de um processo econômico-social preciso: ela era o território onde se realizava um processo de produção de capital e onde se produziam as relações capitalistas e, por força de opção teórica, onde se enfrentavam as classes sociais e se podia apreciar o processo de dominação/subordinação em curso.
Como resultado de tais estudos, revelou-se a emergência de um fenômeno urbano revelado na complexidade das transformações econômicas havidas e no dinamismo de seus grupos sociais, sobretudo abordado de um ângulo classista, a enfocar a burguesia e o operariado (PESAVENTO, 2007,p.13)
Ou ainda, como pondera o prof. Milton Santos:
Como a localização das diversas etapas do processo produtivo (produção propriamente dita, circulação, distribuição e consumo) pode doravante ser dissociada e autónoma, aumentam a necessidades de complementação entre lugares, gerando circuitos produtivos e fluxos cuja natureza, direção, intensidade e força variam segundo os produtos, segundo as formas produtivas, segundo a organização do espaço preexistente e os impulsos políticos. (SANTOS, 1994,p.63)
Do plantio do algodão, transporte, fabricação do tecido, transportes, confecção de roupas, transportes, vitrine do comércio, todo este espaço de circulação, não por acaso, é acompanhado pela personagem do filme

O urbano.

Ao término do horário da jornada da fábrica os trabalhadores se amontoam em ônibus, exaustos, indiferentes à paisagem urbana que começa a aparecer e a provocar diversas sensações, percepções, emoções, tanto na personagem, Cuca, quanto no espectador. Elevam se as cores, ficando mais quente, com mais textura. Assim como o plano das imagens passam a ficar mais próximos, mais ameaçadores C.
É o primeiro contato do menino com propagandas de pessoas sorridentes, semáforos, luzes, prédios, uma banda de música, uma força policial segurando um trânsito caótico em uma das ruas, os sons passam a ter uma dimensão maior, mais confuso. Os flocos de som não são mais coloridos, são negros, mostrando a força de coerção do Estado. O poder do aparato do Estado.
Maquinas representativas de animais transitam emitindo sons de animais, assim como guindastes em obras na construção de prédios e outros aparatos urbanos, mostrando a verticalização e a constante transformação do espaço urbano, também parece vivos D. Passa-se com clareza a ideia de centro, enquanto na última parada o ônibus estaciona em frente a um amontoado de casas, típicas de periferia. Já não é tão intenso o barulho e os movimentos são mais lentos.
Seguindo o último passageiro as personagens passam em frente a um prostibulo, uma igreja, bares, e a reação de Cuca é de espanto diante da novidade que se apresenta. Esgotado, é ajudado para alcançar a residência do último passageiro que mora no alto da favela.
Ao adentrar no barraco, o menino se depara com algumas plantas plantadas em latinhas, expostas na janela enquanto seu novo companheiro retira do armário comida pronta, em muitas embalagens de lata do mesmo produto e da mesma que estavam as plantas. Cuca pôs-se a regá-las.
Ligam a TV e as imagens de alimentos, pessoas sorridentes e felizes, produtos diversos, como sapatos, bolsas, hambúrguer, explodem na tela. O menino observa e preserva sua memória em uma foto da família. Dormem.
O dia amanhece, transito caótico, a cidade colorida com suas propagandas e rostos sorridentes F, a praia lotada G e eles vão para uma feira de artesanato onde se vende de tudo e o amigo de Cuca amonta uma barraca de música para defender o complemento da renda, em trabalho informal. Novamente a música é apresentada em flocos coloridos.
Novamente é mostrado no filme as constantes transformações que passa a cidade E. Construções de prédios, vendas de apartamento, gente de sorriso largo oferecendo produtos e serviços, percebe-se o império da felicidade em um emaranhado de imagens de pessoas e produtos. Quase nunca nestes locais são mostrados o chão da cidade, que parece elevar-se. Desatendo e adormecido o menino é levado ao porto, se mistura a contêineres e embarca junto com a carga para o oceano. Lá depara com cidades flutuantes, como ilhas flutuando em suas redomas, com sistema de defesa exposto, alguma semelhança com os atuais condomínios fechados não é mera coincidência. Tudo na cidade é muito imaginativo e extremamente organizados e paradoxalmente misturado no todo urbano H. Impossível? Segundo pesavento, não:
Paisagens urbanas encontraram uma outra expressão, documental e ficcional, com a entrada em cena do filme. O cinema recompõe, pela imagem em movimento, a expressão da vida na urbe, metrópole ou pequena cidade, a exibir em composição as facetas da materialidade e da sociabilidade. Cidades antigas, cidades modernas, cidades do futuro, cidades encantadas; o urbano é palco e cenário desse espetáculo de imagem em movimento, som, luz e fala, mas é também objeto de uma reflexão que põe a urbanidade com um centro de reflexão. A obra do homem, expressão máxima da civilização, vai com ele perecer? (PESAVENTO, 2007,p.22)
A técnica demonstrada neste momento do filme vai além da realidade urbana atual. Há no imaginário coletivo a ideia de cidade do futuro, das possibilidades, da correção dos espaços e do social, onde os atores urbanos representam um futuro promissor, perfeito, organizado, democrático, com direitos e deveres bem definidos. Mais que uma cidade utópica, uma cidade possível que reside em nosso imaginário e nele é construído. Deve-se salvaguardar o delírio. E ter claro que a cidade é uma criação humana, como escreve Pesavento:
As cidades reais, concretas, visuais, tácteis, consumidas e usadas no dia-a-dia, corresponderam outras tantas cidades imaginárias, a mostra que o urbano é bem a obra máxima do homem, obra esta, que ele não cessa de reconstruir, pelo pensamento e pela ação, criando outras tantas cidades, no pensamento e na ação, ao longo dos séculos (PESAVENTO, 2007,p.11)
São essas tantas cidades mostradas no filme que agora Cuca percebe o espaço da circulação em que o algodão vira tecido, é exportado, transforma em roupas, volta para lojas, vitrines, propagandas, mostrando todo o processo de circulação de matéria prima, transformação, produtos e comércio.  Aquele menino rural passa a ter em seu imaginário a compreensão da ideia de valor, poder, dominação. Tem ideia da mercantilização das cidades, das pessoas, dos espaços, da criação, do sonho.
Não que as cidades tenham uma hierarquia econômica, mas no filme fica claro a diferença de poder econômico de uma cidade para com outra. Poder transformar, acumular riqueza quer dizer modernizar, organizar melhor, ter melhores técnicas, consequentemente, vida melhor, no sentido de mais conforto.
Tanto que no retorno para casa eles passam em frente a um estádio onde se pratica um esporte próximo do futebol mas não entram. Vão ver na TV. Ao passo que do lado de fora do estádio também passam caminhões, transportando produtos. E, tudo no entorno deles, é tratado como produto.
De volta pra casa passam na praia onde a música ressoa, demonstrando a cultura popular, como na sexta porta de Bresciani.,
Assim como fica claro a quarta porta em que o sujeito se distancia do objeto. Também a quinta em que burguesia confronta-se com o proletariado na fábrica de tecidos e todo o processo de política, enfatiza-se na produtividade mecânica de máquinas e promove a demissão coletiva de funcionários por desemprego estrutural. E na sétima porta se vê uma cidade dividida em áreas subordinadas a lógicas diversas. (BRESCIANI, 1991,p10-12)
Quando o menino pensa ter encontrado seu pai, ao alcançar o trem, percebe que todos são iguais, padronizados, foram forjados no modelo coercitivo imposto na maneira de como quer que sejam. É a história se repetindo no modo de vida dos trabalhadores. É a desilusão do pássaro negro que desmonta o sonho colorido que Cuca carregou ao longo da vida. É a deterioração da esperança, é a realidade amarga, a destruição do sonho simbolizada na morte do pássaro. No som que escorre pelo bueiro. No silêncio da cidade que a tudo vê mas não alcança o menino que também não alcança a cidade.
Ambos, Cuca e seu amigo, vão parar em um lixão, onde a música assume um caráter dramático, intimidador e a cidade segue seu curso, produzindo, buscando matéria prima, produtos e dando continuidade ao seu processo produtivo, mercantil, indiferente às angustias das personagens do filme. Como salienta Pericás, “Até mesmo trechos de cenas reais, retiradas de filmes de cineastas como Jorge Bodanzky, Orlando Senna e Leon Hirszman, entre fragmentos de outros documentários que retratam a poluição e a devastação da natureza, são incluídos na obra”. (PERICÁS, 2016).
Daí por diante pergunta-se: O menino encontra o pai? Ele volta pra casa? Final de filme não se conta.
Mais que a chegada o que importa é a jornada empreendida pelo menino. Os efeitos dessa jornada, as impressões sobre a cidade, o olhar. Os efeitos da cidade sobre um menino que se tornou adulto na cidade e sofreu todos os efeitos que o espaço urbano pode provocar.
O filme possibilita múltiplos olhares, principalmente o olhar geográfico sobre questões sociais e de técnica. Permite uma variações didático-pedagógicas para se trabalhar educativamente nas mais diversas faixas etárias. Essa diversidade é permitida pelas variações de imagem, múltiplas paisagens, e como diz Cosgrove: “Ao mesmo tempo, paisagem lembra-nos que a geografia está em toda parte, que é uma fonte constante de beleza e feiura, de acertos e erros, de alegria e sofrimento, tanto quanto é de ganho e de perda” (COSGROVE, 1998 p.224). Neste aspecto o filme oferece abundante material para contemplação, análise, aproveitamento didático-pedagógico, etc.

Conclusão:

O filme de animação “O Menino e o Mundo” é um daqueles filmes que circula pelas mais diversas artes, as gráficas, pintura, colagens, aquarelas, literatura, poesia, arte popular, danças, artes plásticas, tudo, em um visual interessantíssimo. Uma beleza de imagens em cada cena do filme, em cada instante. Tudo mostrado numa leveza comprometida tanto com a arte quanto com as realidades sociais, econômicas, políticas, culturais, sociais, e etc. Além de ser delicioso e lindo é um filme que também faz pensar. E muito.
As mais diversas paisagens circulam pelo filme, paisagens naturais, sociais, paisagem técnicas, naturais e humanizadas... O espectador inicia sua viagem por essas paisagens e vai alimentando suas percepções cognitivas, investigativas, analíticas em busca das explicações, das informações, dos conhecimentos, das críticas, interpretar as próprias emoções.
É uma viagem dentro de outra viagem à medida que o menino sai em busca do pai, ou de melhores condições de vida, numa jornada ao mesmo tempo emotiva e afetiva vai-se, também, viajando nas imagens e no desenrolar da trama. Uma viagem lírica, linda e forte, resistente.
Não há tempo definido no filme. Nenhum tipo de tempo. Não há, também, local definido, cidades imaginárias e cidades reais, tradicionais, como tantas que se vê, que coexistem e até se relacionam.
Os diálogos, no filme, são incompreensíveis, indefinidos. O peso do filme está na imagem, no som ambiente, nas paisagens e nas ações dos personagens que são múltiplos e um só ao mesmo tempo e no decorrer do filme. Os espectadores também terão a sensação de que todos os personagens são um só. Assim como observamos as cidades com suas populações, suas vidas e indagamos se todas aquelas pessoas não seriam uma só. Os sons e músicas no filme são mais do que um ingrediente do filme, é uma personagem também.
A riqueza de detalhes como a colagem de sorrisos largos em cartazes de propaganda, apresentadores de, inteligentemente colocados no filme é uma constante. Riquezas de detalhes, esmero nos detalhes dão uma satisfação maior ao filme.
  Ao terminar a primeira sessão tem-se inúmeras interrogações, dúvidas e inúmeros pensamentos. Tem-se também um convite a ver novamente o filme. Novos pontos de vista das paisagens, dos detalhes, dos sons. Como se em uma nova viagem a um mesmo lugar tivesse-se a sensação de nunca ter estado ali, porque as sensações são novas e diferentes da anterior. Por isso a ideia de uma viagem dentro de outra viagem, de caminhos dentro de outros caminhos, de olhares dentro de outros olhares e dos caminhos e olhares que estão no filme e do espectador sobre o filme.
O olhar de assombro do menino sobre a cidade, o novo, o tão diferente do seu espaço natural e rural, onde viveu os primeiros anos de vida. O entendimento da técnica, da capacidade humana de construir, transformar, organizar, como também destruir, submeter, eliminar dentro de uma compreensão mais global do que local, fornece a dimensão da capacidade humana em lidar com a diversidade de paradigmas, com paradoxos, contradições, materialidade e relações sociais, sonhos, segregações, memórias, Técnicas, Identidades, sujeito e objeto, sentimentos, perspectivas e possibilidades.

“O Menino e o Mundo” tem essa dimensão das múltiplas possibilidades, como as cidades, com seus espaços físicos, sociais, seus fluxos, seus tempos diversos, em que passado, presente e futuro se encontram, seus conflitos, suas infinitas possibilidades.

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