sábado, 19 de agosto de 2017

Pequena carta para aquela moça que quando abre os olhos, eles gritam. jbpedugeo autoral

 Pequena carta para aquela moça que quando abre os olhos, eles gritam.


        (03/06/11) - Desencontrado: Este instante seria perfeito como perfeito tem sido alguns instantes de minhas emoções primitivas. Meu ser mais natural que se esparrama no espaço dos sentimentos e rola e constrói movimentos de um felino no lugar e avançam feito possibilidades deliciosas de encantamento, desejos, sabores, cores naquela boca que beijava como quem sorve uma humanidade inteira de todas variáveis existentes e as que existirão. Não foi um beijo. Foi o beijo carregado de toda minha primitividade autêntica e apócrifa ao mesmo tempo. Algo entre o real e o inefável. Enquanto beijava podia ver meus olhos brilhando o sol, sentir meus órgãos se contraindo e preparando uma erupção cataclísmica. Podia sentir minhas mãos lá, muito além, como que modelando uma divindade. Podia sentir você entre a entrega e a fuga, mas não podia imaginar que após aquele momento ouviria aquelas frases que ouvi. “Posso perder tudo por isso”.

Tudo do instante se desencontrou e uma tempestade de culpas teimava em insurgir e me afundar e nada via e nada ouvia e nada passei a sentir além do processo diário de construção de absurdos. Comecei a sentir um sabor ocre na boca e uma náusea passou a perambular dentro de mim e um desejo de nada, sem começo, nem meio e nem fim passou a ser instantaneamente meu desejo. Quase uma cólera de pensamentos passou a ser mastigada e cuspida do meu cérebro para cima e retornavam ao meu rosto em forma de rubores, vergonha e indignidades.  O destemido selvagem trocou de lugar com o amedrontado homem “classe média”, com seus valores éticos e sua postura de bom-mocismo. A elegância se foi e com ela todo o desejo. Fiquei em silêncio, velando aquele momento que caiu em decúbito, morto logo após o nascimento. As horas passaram a escorrer feito sangue entre os dedos e um cheiro de minutos murchos tomava todo espaço de todos os lugares. O felino ancho se encolhia no passar das horas e deitava no tempo como algo hibernando as emoções corroídas por pensamentos de culpas e buscas de cousa alguma. Vontade de trocar de tempo, de sentimento, de olhar. Vontade de desencontrar-me desencontrado e aos pulos de uma fênix ir comer todos os paralelepípedos das ruas e sorver toda poeira dos caminhos.

Nenhum lado vê nada. Se ficar e atendo meus desejos é o mal e se abandono é o mal, se atendo seu desejo é o mal e se apenas permaneço também não há nada de bom. Tortura e autoflagelo já são uma constante e de nada adianta triturar uma carne estragada. Não adianta dar um caminho a uma alma que se perdeu sem jamais ter se encontrado. Ah, o amor. Se encontrasse o que tens em outra mulher me encontraria também ali.
Por que o amor não se basta no sentir? Por que tenho que sentir de você pra dar sentido o meu sentir? Nada quero deste mundo a não ser estar primitivo. Incivilizadamente bárbaro.
Todo este pensar me arremeteu às sociedades coloniais até as atuais. Uma população de migalhas, escravos de restos e percursos obtusos... Eu sou selvagem demais para conviver com isso de forma indolente e conivente. As sobras e os restos dão o tom da aspereza dos cotidianos cego de alguém que não tem sensibilidade e percepção de mundo. O que querer? Restos e migalhas? O que queriam os escravos? As senhoras de engenho e suas sinhazinhas? Obedeciam e obedecem e ainda assumem uma postura de senhoras de engenho e sinhazinhas. Uns raros desgarrados formavam seus quilombos e superavam-se pela barbárie da atitude de se libertar. Essa barbárie é meu norte, minha percepção, o meu desejo.

Os desejos são um sequencial da vontade do outro. É o outro dono e domina todos os seus quereres e agora tornaste máquina de produção em série preconcebida e sem imaginação. Todo esse pensar me faz desconfiar desse universo organizado e esfarelado de pequeninices que nos dão para acharmos que vale pena se submeter. É como dar um pouco de comida a um escravo para não perder a peça e não amargar o prejuízo.

A única vida que tens está submetida a permissões, a bondades, a pequenos farelos de satisfações para garantir uma falsa sobrevivência. Uma falsa ideia de prazer que desconfio és incapaz de sentir e menos ainda de proporcionar a outrem. E, sequer tem consciência de que existe nesta vida o prazer mesmo porque jamais a percebi inconsciente porque eles não deixam... 

Desconfio de quem não tem angústias e desconfio de pessoas que não cometem loucuras e seguem linearmente a bestialidade insossa e atônita de ver o mundo sem mergulhar, sem se entregar e não passeia pela margem.

Não perco porque não há o que perder. De minhas mandíbulas rasgo a carne sempre em busca de minha identidade raiz, de linhagem ferina e elo perdido. Essa merda toda de amor já foi longe demais e o sentimento original, matriz, já assumiu cópias de um sentir cotidianamente repetitivo e comum. O que me engrandeceu agora vai me tornando pequeno, vitimado, raso, escravo, servil, e o que é mais espantoso, concedido, aceitável.

Gosto de estar ancho no mundo, gosto de me ver felino rasgando o espaço em saltos de conquistas e vitórias. Gosto da minha imagem em movimentos aleatórios de vencedor. Vencedor não de suas causas e lutas, mas vencedor por minhas causas e minhas lutas, (tipo uma palavra nova para um momento que vier). Daqui de onde estou eu posso ver os mundos, muitos mundos e gosto de poder optar em transitar em vários. Todos os mundos nos dão possibilidades infinitas. Menos um. Este, parado em que obedecemos a vontade, o olhar, a coerção, do outro.

   Estarei sempre por aí, espreitando o mundo com desconfiança e amando as pessoas na inocência do sentimento das virtudes caçadoras e guerreiras. É minha maneira de estar.  Com as convicções de que migalhas são para quem as faz por merecer. Eu por mim acho que hoje, especificamente, prefiro passear num corpo de mulher (é sempre um mundo) e descansar com ela todos os nossos desejos contentados.

Se ela disser “Posso perder tudo por isso” eu vou virar de lado e na leveza de um pensamento curto, reconhecer minha estupidez em não saber o que é tudo quando não se aspira.


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